Fonte: Jardim Cor
De: Raul Cânovas
Fiquei sabendo que hoje teremos uma
festa no jardim. As plantas mais exuberantes, as flores mais viçosas e
as composições mais inspiradas são as convidadas deste banquete
bucólico, regado com os orvalhos das melhores safras. Neste meio tempo,
fui alertado por uma comissão de beija-flores, que neste mesmo jardim,
seria celebrada uma outra comemoração, homenageando uma árvore muito
querida.
O líder da revoada que, aliás, era o
mais colorido de todos me sussurrou, minuciosamente, os preparativos
comandados por um azulão e uma coruja, que se revezavam dia após dia e
noite após noite para aprontar esse que seria o maior de todos os
festejos. O pássaro azul alertava para que todas as flores se unissem em
braçadas coloridas e instruía centenas de borboletas para que, juntas,
formassem uma boana de reflexos luminosos, também tentava convencer uma
araponga a martelar apenas no início do evento e silenciar em seguida,
para não atrapalhar; já no início da noite entrava em ação a coruja, que
chirriava sem parar, esclarecendo a fauna noturna qual seria a missão
de cada bicho, para que a árvore anosa e amada por todos, arrepiasse de
emoção cada folha de sua enorme copa; preparava um coro de sapos que
deveriam coaxar afinadamente, no meio de um cordão de formigas atentas,
enquanto uma miríade de cigarras estrilavam num arvoredo um pouco mais
distante, os grilos deveriam entrar, no momento certo, cricrilando um
alegro sustenido, para animar o concerto.
Por fim, chegou o grande momento que,
solenemente, foi anunciado com a fala de um papagaio loquaz e muito
sábio. Teve muita alegria com as seriemas gargalhando sem parar, os
bem-te-vis assobiando suas melhores melodias e até um elenco de araras,
taramelando versos inspirados.
Mas o momento mais emocionante, mais
comovente, foi quando a velha árvore falou, e ela disse assim: “Quando
chegar ao final de minha vida, e deixar de ser uma árvore, quero ser
transformada em uma arca, uma enorme arca e aí, já incompleta, sem os
musgos que agora me abraçam, guardar algumas das coisas mais belas deste
mundo, antes que se percam no esquecimento ou, se deteriorem para
sempre. Vou querer conservar as esperanças de Jesus, a humildade do
Buda, a felicidade de Maomé e a responsabilidade que Moisés assumiu
perante seu povo. Igualmente, vou defender do olvido aquela teimosa e
valente flor que, fora da estação, surge no meio da escarcha e, também, o
galho que se agarra ao último raio de sol.”
Nesse momento, os vaga-lumes se
esforçavam para iluminar o cenário. E a árvore continuou: “Quando for
uma arca, vou preservar o bem supremo de todo jardim… a harmonia”. Dito
isso, de maneira reverente, inclinou sua fronde que cintilava graças a
uma constelação de estrelas.
Um bando de macaquinhos, fantasiados de ciganos, aplaudiam sem parar.
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